Se tem uma coisa que me irrita são os tais “conhecimentos gerais”.
É engraçado: fui pesquisar provas de conhecimentos gerais no Google e apareceram várias questões relacionadas a presidentes do Brasil, governos de outros países, nomes de quem venceu o prêmio Nobel e datas, datas, datas.
Memorização pura, geralmente sobre assuntos relativos ao poder institucional.
Seria acaso?
A presença maciça da ideia de “conhecimentos gerais” no sistema educacional é sintoma de algo que não cheira bem.
Com o auxílio dela, homogeneizamos o saber, passamos um trator em cima das singularidades pessoais, locais e territoriais e jogamos um balde de água fria nas possibilidades de se olhar mais detidamente, de se avistar mais poeticamente e de se arriscar nas especificidades potentes de cada ser, cada momento, cada perspectiva e cada contexto.
De certo modo, o que os conhecimentos gerais medem é quem está mais alienade, isto é, distante dos repertórios que pulsam no coração e preocupade com o que “todo mundo deveria saber”.
Além disso, como a obtenção dos “conhecimentos gerais” é uma questão de acesso, essa estratégia funciona como mais uma ferramenta de exclusão. E, nesse caso, uma exclusão não apenas de quem não teve direito a esse acesso, mas também de quem teve e não o tolerou, pois memorizar esse tanto de informação careta é uma tarefa que pouca gente aguenta fazer (e não, eu não estou vangloriando essas pessoas).
No fundo, a noção de conhecimentos gerais faz parte da cultura de mediocrização que o sistema educacional escolarizado opera. A engrenagem trabalha duro para nos monoculturizar, e os mecanismos avaliativos – concursos, provas, vestibulares etc – são um componente fundamental nisso.
Ainda quero escrever aqui sobre outras duas culturas que a escolarização tradicional nos introjeta: a cultura do fingimento e a cultura da espera.
É colonização por outros meios...
Obs.: morreu ontem Nêgo Bispo, pensador quilombola que eu admirava muito. Sua luta e sua bem querência com a vida seguem Vivas, e ele provavelmente não se sairia muito bem numa prova de conhecimentos gerais.
Um trechinho dele compartilhado pela Geni Núñez:
“Falo tagarelando, escrevo mal ortografado, canto desafinando, danço descompassado, só sei pintar borrando, meus desenhos são enviesados. Esse é o meu jeito. Não me mandem fazer direito. Eu não sou colonizado. Vivas.”
Minha solidariedade às pessoas familiares e amigas de Nêgo Bispo, além de todes que o admiravam.
É isso, sem tirar, nem por. Aliás, acrescento que esses conhecimentos gerais são os que nunca deveríamos conhecer.
Segue o barco, meio mais pro fundo do que para ficar à superfície.