Antropologia é um tema que tem me interessado bastante ultimamente – este é o segundo livro que engatei sobre o assunto nos últimos meses, depois de uma breve parada para concluir Switch: como mudar as coisas quando a mudança é difícil, que eu também recomendo e ainda quero escrever a respeito.
Why We Believe: Evolution and the Human Way of Being (Porque Nós Acreditamos: Evolução e o Modo Humano de Ser, em tradução livre) posiciona a temática da evolução da espécie humana de uma forma que eu nunca havia pensado antes.
O autor, o antropólogo e primatologista Agustín Fuentes – que, embora tenha esse nome, é americano –, sustenta que a capacidade de acreditar é central na construção dos modos de vida da espécie humana nos períodos mais recentes da nossa evolução.
Acreditar, na visão de Fuentes, não se resume a simplesmente “achar que algo é verdade”. Da maneira que entendi a partir da leitura, acreditar deriva da nossa inteligência em imaginar situações e explicações novas, conectando-as com as nossas percepções sobre passado, presente e futuro, e, partindo dessas imaginações, nos comprometermos com determinados caminhos (de tal modo que, ao moldarmos esses compromissos para nós mesmes e para outres, eles também passam a moldar a nossa própria realidade).
O debate sobre o que assinala a nossa transição de macacos para homo sapiens é antigo. Fuentes, embora proponha a capacidade de acreditar como algo fundamental nesse processo, não acredita (perdão pelo trocadilho) que nenhum elemento isolado – a criação de ferramentas feitas de pedra, o domínio do fogo, a criação de artes e simbologias, a linguagem oral, a domesticação de outras espécies de plantas e animais etc – possa ser interpretado como aquilo que nos definiu como espécie.
Ao contrário, ele aposta em uma visão complexa das coisas, e por isso vai dizer que são as interações recíprocas entre todos esses elementos ao longo de muito tempo (milhões de anos) que vão esculpindo – tal qual uma rocha costeira que adquire lentamente suas formas arredondadas a partir do contato com o mar, o vento e tantos outros fatores – nossas formas de ser.
Nesse caldeirão evolutivo, a capacidade de acreditar é tão constitutiva dos nossos corpos (e foi tão modificadora e modificada pela nossas trajetórias biológicas e culturais) quanto nossos braços e dedos.
No decorrer do livro, o autor explora três campos específicos do acreditar nas sociedades humanas – a religião, a economia e o amor. Ainda estou lendo essas partes, mas já me é nítido o entendimento a respeito de como nós acreditamos em certas ideias que não apenas influenciam esses campos, mas os criam inteiramente (a ideia de que um pedaço de papel configurado de uma determinada forma representa dinheiro, por exemplo).
A evolução nos habilitou a projetar uma série de “ficções sociais”, e o mais interessante é que essas ficções – vividas como verdades – nos projetam de volta, até mesmo no nível biológico.
O animal humano é uma loucura, né?
Obs.: o livro infelizmente ainda não foi traduzido para o português, mas o vídeo abaixo, que introduz o tema e é narrado pelo próprio Fuentes, pode ser assistido legendado. É só ir no ícone da engrenagem e clicar em “traduzir automaticamente”.
Não sei se vc leu Sapiens do Harari, Alex, mas a narrativa também trata bastante da nossa capacidade de criar, acreditar em histórias e, talvez mais importante, agregar outros Seres Humanos "ao redor" dessa história. Se tiver a chance de assistir "Ficções" com a Vera Holtz (teatro - assisti em abril desse ano no CCBB de BH) pode ser mais uma experiência fantástica abordando o assunto.
Recomendo muito muito! ;)