Os 4 Níveis de Julgamento
Como se libertar do passado (e viver mais o presente) através de pequenos ajustes de percepção
"É difícil pensar, por isso a maioria das pessoas julga” (Carl Jung)
Como você lida com os julgamentos, seus e de outras pessoas?
Percebo que me apresso muito para colocar alguma coisa dentro das caixinhas “gosto” e “não gosto”. Existem muitas outras: “certo” e “errado”, “bom” e “ruim”, “concordo” e “discordo” etc. Talvez você conheça outras caixinhas. E talvez você faça o mesmo que eu.
Essas caixinhas são julgamentos – eu, como juiz da minha realidade, sentencio o que vejo (e isso altera como vejo). Porém, quando chego no nível de dizer “não gosto disso” – deferir minha sentença –, é porque eu já fui bem longe no ato de julgar.
Quando reflito sobre o que é um julgamento, penso que ele pode ser dividido em quatro níveis:
1. Observação/contemplação: nesse degrau, eu apenas presto atenção no que está acontecendo. Minha mente é uma brisa leve, um oceano calmo. E, se meu pensamento insiste em avançar para os níveis 2, 3 e 4, eu simplesmente observo o julgamento tomando forma dentro de mim, mas entendo que ele é passageiro como as ondas do mar.
Meditar é um exemplo de estado de observação/contemplação.
2. Nomeação/rotulação: aqui, eu compreendo o que acontece através da nomeação do que estou percebendo. Eu atribuo rótulos às coisas, aos fenômenos, e isso permite que eu me refira a eles ao me comunicar. Nomes são mais resistentes ao mecanismo de comparação do que adjetivos (nível 3).
Exemplo: um homem de 100 kg.
3. Avaliação/adjetivação: nesse nível, eu atribuo uma qualidade ao que está acontecendo. Sempre que avalio, estou partindo de pressupostos, isto é, de certas visões sobre as coisas, relacionadas às minhas experiências prévias e aos contextos onde estou inserido. É impossível adjetivar ou avaliar sem ter um referencial. Isso quer dizer que, sempre que avalio, estou comparando, e a base é a minha leitura de mundo.
Exemplo: um homem gordo.
4. Sentença/julgamento: no último nível de julgamento, eu hierarquizo o que está acontecendo dentro de um ranking pessoal, e essa hierarquia condena a realidade a se comportar de uma determinada forma. Geralmente a sentença é binária e taxativa, ou seja, não há muito espaço para “escalas de cinza”, nem para mudar de ideia.
Exemplo: odeio homens gordos!
Considerações sobre os 4 níveis
Na medida em que avanço cada degrau, minha mente opera uma distorção maior em relação ao real. Essa distorção da realidade é como torcer um pano, tirando dele todo o caldo até que por fim ele fica seco e áspero – em outras palavras: reducionismo.
O julgamento é fundamental na vida humana. Não devemos nos livrar dele. Mas é interessante ampliar nossa consciência a respeito de como ele opera, quando ele aparece e, sobretudo, quando ele é bem-vindo ou não (e em qual intensidade).
Com frequência, eu percebo que vou para o nível quatro rápido demais. Coloco as coisas no meu ranking, nas minhas caixinhas, e dou pouco espaço para elas respirarem. Quanto mais subimos de nível, mais nossos pressupostos (as visões arraigadas que temos das coisas) entram em ação.
À medida que subimos de nível, nos tornamos mais passado e menos presente. Exercemos menos presença. A mente fica mais preguiçosa, vai caindo em seus próprios automatismos.
Os pressupostos atuam como células de defesa, destruindo o que não conseguimos acoplar no ego. Assim como células de defesa crescem em número quando o corpo fica doente, os pressupostos tendem a crescer quando vivemos uma experiência que destoa daquilo que achamos que somos.
Pressupostos nos protegem cristalizando nossas visões diante de algo que nos machucou (e que não tínhamos outras ferramentas para lidar). Eles cuidam das nossas feridas, tapam nossos buracos, ainda que com cimento.
Mas aí, quando vivemos novas experiências, o passado emerge no corpo através dos pressupostos. Vamos direto para o nível 4 e dizemos: “odeio esse tipo de coisa!”. Deixamos de perceber que cada experiência, cada instante da vida nunca se repetiu antes. Está acontecendo agora, inconfundível, único – aí a gente vai e encaixota, coloca a roupa do passado no presente, e é assim que nos tornamos secos e ásperos.
Os pressupostos nos protegem. Nossas visões petrificadas sobre o mundo, nossos apegos e idiossincrasias cumprem uma função. É importante reconhecer que essas armaduras cuidaram (e, de certo modo, ainda cuidam) de nós – talvez assim, tratando-as com amor, a gente consiga se libertar delas ao se deparar com novas vivências.
Talvez precisemos investigar mais no detalhe a história de quando e como algum pressuposto surgiu dentro da gente para deixá-lo ir. Talvez precisemos contar para alguém essa história e receber uma escuta, ser legitimade, ser “acreditade” em nossa dor.
Pode ser que assim a gente consiga viver mais o real.
E aceitar com mais frequência os convites da vida para pensar (e sentir) diferente.
Obs. 1: este post é uma versão atualizada e revista de um artigo que escrevi em 2018.
Obs. 2: a frase atribuída ao Carl Jung eu aprendi com o Lucas Lorenzon Aragão. Obrigado!
Com que frequência você sobe para o nível 4?
Você se considera uma pessoa muito julgadora?
Me conta nos comentários! 🐦
Uau, que ideia foda! Gostei do step by step do raciocínio. Acho que existe espaço para cada coisa no seu momento, idealmente viveríamos mais tempo em paz fora da mente (contemplando, consciência), mas o julgamento também tem seu valor, por exemplo quando te contratam pela sua expertise (julgamento, entendimento).
Cada coisa no seu lugar, no seu contexto…