Não há ato mais educativo do que roubar uma manga do pé do vizinho
Algum nível de transgressão não é só necessário, como saudável.
Se não há ousadia e aventura, se não há, ainda que por breves momentos, aquela sensação do coração querendo sair pela boca, se nenhuma linha jamais for cruzada, o risco é nos apequenarmos dentro da vida que nos deram, em vez da vida que poderia ter sido por nós construída.
Por isso que, quando uma criança pula o muro para roubar mangas no quintal da casa ao lado, ela está aprendendo algo valioso ali.
Em setembro deste ano, eu vivi uma viagem que ficou marcada pela transgressão.
Passei uma semana sozinho em um chalé no meio do mato. Um dia, saí para caminhar e fiquei com vontade de entrar em uma pequena floresta no final da vila. Não entrei por medo do que as poucas pessoas do vilarejo iriam pensar se me vissem fazendo isso.
Me arrependi. A curiosidade e o desejo de explorar pulsavam no meu peito.
Mas parecia que eu não estava pronto ainda.
Alguns dias depois, fui caminhar novamente e me aproximei do “local proibido”. Vi uma cerca bloqueando o acesso – um momento emblemático. Reuni coragem e pulei.
Desde a primeira cerca, eu vivi um dia incrível caminhando por pastos montanhosos em propriedades alheias, pulando várias outras porteiras e cercas e assistindo o pôr-do-sol no teto de uma casa abandonada (provavelmente o melhor “assento” para tal espetáculo em toda a vila).
Pode parecer pouco, mas essa aventura bucólica pessoal se tornou um símbolo pra mim – um símbolo da transgressão potável.
Toda proibição, assim como toda moral, é socialmente construída.
Transgredir significa, em alguma medida, trair.
A traição é um aspecto formativo da psique humana. Precisamos aprender a trair, sob pena de ficarmos para sempre sob a sombra de nossas figuras maternas e paternas (ou projetando essas figuras em quem quer que seja).
Qual é a cerca que faz seu coração querer sair pela boca?
Obs. 1: recomendo muito dois posts do Instituto Amuta sobre traição/transgressão:
Obs. 2: saiu uma matéria sobre aprendizagem ao longo da vida no blog da Flash em que eu fui uma das pessoas entrevistadas. Ficou bem legal.
Obs. 3: fiquei bem feliz de ver um artigo em inglês que escrevi há vários anos sobre a minha jornada de doutorado informal sendo divulgado no perfil de Instagram da Alliance for Self-Directed Education. Qualquer coisa, dá pra ler usando o Google Tradutor.