Banho de sol no períneo e sensemaking
No fim de 2019 (saudades), alguém achou que tomar sol no períneo – região entre o ânus e os genitais – era uma boa ideia.
Os supostos benefícios? Aumento da energia vital, da libido e até melhora na qualidade do sono.
Antes da internet e da “mão invisível” dos algoritmos das redes sociais, talvez essa prática permanecesse bem guardada no Rol de Coisas Estranhas e Místicas, junto com manter sementes de romã na carteira para ter dinheiro, terraplanismo e Kin.
Só que, no mundo digital, a ideia do banho de sol no períneo conseguiu ganhar vários adeptos. Uma influenciadora tilelê compartilhou uma foto bizarra de si mesma nua com as pernas abertas em direção ao céu ensolarado e a coisa se propagou.
Até pessoas famosas como o ator Josh Brolin, de Os Vingadores, foram vítimas – ele, no caso, teve problemas sérios.
Como uma coisa tão estapafúrdia conseguiu atrair tanta atenção?
A resposta curta é: nosso sensemaking está quebrado.
Há muito tempo que temos uma base para a desinformação. Temos dinâmicas rivais há muito tempo. A dinâmica rival é a base pela qual podemos progredir em um cenário de guerra matando alguém, mentindo ou arruinando os bens comuns. Mas a tecnologia exponencial leva, com os mesmos incentivos, à desinformação exponencial, extração exponencial, poluição [informacional] exponencial, guerra em escala exponencial, em um campo de jogo finito que se autodestrói. (Daniel Schmachtenberger no documentário The War on Sensemaking)
Banho de sol no períneo ainda é fichinha perto de outras disfunções informacionais mais sérias como o QAnon, por exemplo.
E tudo isso não é apenas culpa de certos seres humanos descuidados ou maldosos. É culpa de um sistema que está estruturado para gerar desinformação generalizada e em escalas cada vez maiores.
Daniel Schmachtenberger chama isso de poluição informacional. E, assim como a poluição do ar beneficia certos atores do mercado, a poluição informacional também.
É por isso que precisamos cobrar que o Estado regule as empresas que são coniventes e se beneficiam da desinformação – especialmente no setor de tecnologia. Elas não farão isso sozinhas.
Em uma outra frente, precisamos nos responsabilizar pelo nosso próprio sensemaking individual.
Sensemaking, pra mim, quer dizer um processo contínuo de enxergar as coisas com (cada vez mais) sabedoria.
Que envolve cuidar não só dos “o quês”, mas sobretudo dos “comos” durante nossa jornada de construção de conhecimento.
De uma forma simples, sensemaking “é tipo conectar os pontos para ver a imagem maior e entender o que está acontecendo”, como disse a Mari Jatahy.
Quem comprou a ideia do banho de sol no períneo claramente não enxergou a imagem maior. Não entendeu o que está acontecendo.
Você entende?
Obs.: começa na quarta-feira o Festival Amor em Pauta, do Instituto Amuta. Tá incrível o lineup e você pode se inscrever gratuitamente aqui (recomendo demais).