Tropeçando na verdade: como criar espaços poderosos de insight a partir de uma técnica simples e inusitada
Uma comunidade pobre com vários pontos de defecação pública (vulgo cocô a céu aberto).
As pessoas já percebem que isso acontece, mas quase nada é feito. Várias ONGs já tentaram instalar vasos sanitários e banheiros modernos por lá, mas as pessoas simplesmente não os utilizam.
Até que um facilitador chega na comunidade. E começa a caminhar pelas ruas de terra fazendo perguntas aos moradores:
"Onde as pessoas fazem cocô?" "De quem é esse cocô?" "Alguém fez cocô aqui nesse lugar hoje?" “Sempre têm mosquitos pousando no cocô?"
A caminhada atrai cada vez mais moradores. Os olhares são de curiosidade e tensão.
O grupo chega em uma praça e, a partir das orientações do facilitador, desenha um mapa improvisado no chão para evidenciar todos os locais abertos do território em que as pessoas defecam. E são muitos.
O facilitador, então, pede a alguém um copo de água filtrada e pergunta às pessoas se elas o beberiam. Todos respondem que sim.
Em seguida, ele puxa um fio de cabelo dele mesmo e o mergulha em uma pilha de cocô. Logo depois, o facilitador coloca o cabelo contaminado dentro do copo de água e o oferece novamente às pessoas. Ninguém quer tomá-lo.
- Quantas pernas um mosquito tem?
- Seis.
- Vocês acham que mosquitos absorvem mais ou menos cocô que o meu cabelo?
- Mais.
- E vocês costumam ver mosquitos na comida que vocês comem?
- Sim.
- E também nas pilhas de cocô?
- Sim.
- Então o que vocês estão comendo?
SILÊNCIO. As pessoas estão agoniadas. Olhando umas para as outras, incrédulas.
Alguns segundos depois, alguém pergunta ao facilitador o que deve ser feito para acabar de uma vez por todas com o problema do cocô a céu aberto.
Ele não dá a resposta. “Vocês precisam descobrir por conta própria”.
A busca por soluções começa imediatamente.
A história acima é a base da abordagem CLTS (Community-Led Total Sanitation), criada pelo indiano Kamal Kar para envolver comunidades na resolução do desafio da defecação pública.
No livro O Poder dos Momentos, os autores Chip e Dan Heath contam esse caso para ilustrar um poderoso caminho para se gerar insight: “tropeçar na verdade”.
Tropeçar na verdade é um tipo de insight que causa uma pancada emocional. Quando você tem uma constatação repentina – e que você sente nas suas vísceras que faz sentido –, você tropeçou na verdade.
Com o seu método, Kamal Kar reuniu as condições perfeitas para acelerar um processo em que toda a comunidade tropeça na verdade:
(1) um insight claro + (2) comprimido no tempo (minutos, horas ou dias no máximo) + (3) descoberto pelas próprias pessoas.
O foco não deve ser na solução, e sim na explicitação (e intensificação) do desafio.
A partir daí, as pessoas expressam um extraordinário desejo de agir.
Essa técnica tem tudo a ver com o trabalho dos Arquitetos de Aprendizagem Autodirigida.
É um jeito potente de engajar um grupo na descoberta dos caminhos de aprendizagem e de ação que realmente fazem sentido para si.
Quais experiências de “tropeço” na verdade você poderia criar?
Alex, adorei o texto. Fiquei aqui fazendo a relação com a crise climática e no tropeço que posso criar. Vou testar na próxima turma das Jornadas e depois conto aqui. Beijocas