certa vez, uma fala de um filme me marcou:
“você precisa escrever como se ninguém estivesse olhando, e depois publicar”.
isto aqui é a minha melhor tentativa de fazer isso agora.
eu sinto que perdi o meu “molho”. me sinto em uma entressafra de identidades, se é que tem alguma outra me esperando do lado de lá.
fiquei sem escrever aqui por mais de um mês. e, olha, não foi por falta de ideias, não. meu caderno “Ideias de Posts” no meu segundo cérebro continua com fartura de textos a serem gestados.
mas a verdade é que eu não queria (e sigo não querendo) escrever nenhum deles.
já te aconteceu algo assim, você ter uma certa dificuldade em se saber? um estado de flutuação que até te confere algumas aberturas interessantes, mas que de tanto flutuar, pesa?
eu cheguei num ponto na vida em que posso não trabalhar (no sentido de ter que gerar renda) por um bom tempo. é claro que eu poderia seguir na mesma pegada de antes e continuar acumulando mais e mais dinheiro – afinal, é o que fui ensinado a fazer.
e, sendo honesto, eu estava bem pronto para permanecer nesse caminho.
foi o meu corpo que disse “não”.
ele começou a dizer isso uns dois meses antes do lançamento do Mol³, a turma paga do Mol, logo quando cheguei na nova cidade que escolhi morar, Florianópolis.
(antes eu recomendava muito as residências e viver viajando, mas agora tenho sérias dúvidas – só faça se você estiver disposto a “tancar” as possíveis metamorfoses que vêm depois)
eu sentava no computador para fazer as coisas, e nada saía. nadica mesmo. a famosa cena do escritor com a tela em branco e o cursor piscando.
lembro de ter saído de bicicleta naquele dia. fui parar em uma florestinha, tem várias aqui perto de onde moro. sentei em um cantinho rodeado de mato e literalmente pedi ajuda a quem quer que estivesse ouvindo.
no fundo eu sabia que o lançamento da turma não ia mais acontecer: eu não dava conta. mas eu não tinha a menor ideia do que fazer com essa informação.
alguns dias de angústia depois, a turma paga virou comunidade e o dinheiro de quem já tinha feito sua inscrição virou doação para as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
fiquei feliz com esse encaminhamento. as coisas pareciam estar fluindo de novo, ainda que em uma direção diferente da que eu estava apostando antes.
o que eu não sabia era que aquela instabilidade áspera não era episódica; ela voltaria de novo, em camadas mais e mais profundas de questionamento do meu eu, do sentido das coisas, das merdas da sociedade, do que significa viver e de como fazer isso.
tem um lado meu que sente medo ao expor isso aqui. “ai, tadinho dele, cheio de privilégios e ainda fica choramingando!” – por um certo ângulo, eu também me vejo dessa forma.
eu realmente adoraria poder passar por isso sem compartilhar nada, afinal sofrer calade é muito elegante.
mas eu não posso.
se tem uma coisa que permanece intacta na minha percepção sobre mim mesmo é a necessidade de partilhar minhas vulnerabilidades (além do meu tesão pela escrita, que neste exato momento se reveste também de uma camada um pouco espessa de medo em compartilhá-la).
eu venho sentindo coisas que há muito tempo não sentia: com alguma frequência me sinto inferior a outras pessoas do meu convívio; me sinto um “impostor” em coisas que faço e falo; desacredito e me desmotivo com facilidade, dentre outras dores salafrárias.
ao mesmo tempo – e isso não é só um adendo para desanuviar o peso do parágrafo anterior –, sinto aberturas de jeitos que eu talvez nunca tenha sentido antes. sinto as dores e as maravilhas do mundo de jeitos que nunca senti antes. sinto os dilemas, leio as feições e me conecto com as pessoas, além de me experimentar de um jeito mais engraçado, fluido e autêntico – e olha que loucura: essa autenticidade vem sem eu nem saber mais quem sou!
(a energia do palhaço tem me acompanhado nos últimos tempos, e nisso eu preciso agradecer às companhias que me lembram disso continuamente – Cláudio Thebas, Conrado, Letícia, João, Isa, Luis, Ravi e outras mais)
afinal, como sustentar um peso danado sem dar uma roubadinha de vez em quando? essa roubadinha é o espírito brincante do palhaço.
a questão é a seguinte:
eu construí um certo posicionamento aqui neste lugar chamado internet falando de certas coisas de certos jeitos.
percebo que essas coisas ajudaram pessoas e fizeram alguns movimentos acontecerem.
é bom perceber isso. eu só não sei exatamente como vou seguir a partir de agora.
tenho algumas ideias, mas também tenho medo do meu corpo dizer “pare!” de novo. (neste momento ele diz “vai com vagareza...”)
nesse processo, venho descobrindo que a vida fora das telas e do construto social chamado “trabalho” – ainda que eu siga tocando alguns projetos – é verdadeiramente ótima (e um pouco assustadora).
me sinto um alienígena quando vejo que quase todas as pessoas com as quais convivo sustentam as telas e o trabalho como elementos centrais de suas vidas. elas fazem isso em grande parte não porque querem, mas porque a estrutura social pressiona para que seja assim. eu mesmo não sei bem quem sou fora dessas dois pilares da vida contemporânea: estou tentando descobrir – e provavelmente não conseguirei me desvencilhar deles (nem sei se quero).
(pensando de forma mais ampla, aqui está um tema que tenho vontade de adentrar mais: como o capitalismo cria necessidades inventadas e as justifica em nome do “progresso”, e nisso ele também cria problemas e angústias que antes não existiam)
existem duas coisas que penso em criar a partir de agora e que me animam.
a primeira é uma escrita poética vinculada a temas que já venho trabalhando ao longo dos anos – aprendizagem, autodireção, comunidades, conexão etc. (e quiçá outros temas também, afinal, por que não?)
minha sensação é a de que pensei demais ao longo dos últimos 10 anos: agora preciso sentir. e esse tipo de escrita mais sensível, junto a outras formas de arte, é um dos processos que hoje mais me transporta para a terra sagrada do sentimento. talvez você possa acessar comigo esse lugar caso eu tome coragem de escrever esses textos e você os leia.
a outra ideia é fazer uma nova sistematização das Arquiteturas de Aprendizagem Autodirigida (A³), mas agora com um foco mais abrangente, considerando todo o caldeirão conceitual e metodológico que criei ao longo dos anos e que atende pelo nome de aprendizagem autodirigida em comunidade.
existe aí um universo de maneiras de viver e de aprender que pode ser descortinado a partir dessa nova proposta sistematizadora. seria uma forma de organizar o conhecimento que venho movimentando e que hoje está pulverizado em centenas de textos e algumas dezenas de livros, PDFs, infográficos, apresentações, vídeos etc.
independentemente do caminho que eu siga – que pode ser um desses ou alguma coisa completamente diferente –, tem crescido em mim uma recusa em jogar o jogo do marketing e da “produção de conteúdo” digital.
seguir alimentando esse sistema algorítmico que captura quase todo mundo e que quase ninguém quer não faz mais sentido pra mim. ainda não sei ao certo quais implicações isso terá nas minhas criações, mas é possível que algumas coisas mudem também nesse aspecto.
sinto muita saudade dos tempos genuinamente presenciais que pude experienciar quando era criança, até mesmo quando estava de frente para uma tela. o que pega no mundo digital de agora não é necessariamente a existência de telas (que podem ser boas para determinados propósitos), e sim a nossa incapacidade de relaxar e concentrar por longos períodos sem uma maldita notificação nos incomodando – e se não é a notificação, é a nossa própria compulsão dopaminérgica que nos faz checar a todo momento nossos dispositivos.
(além do simples e inadiável fato de que o mundo real – plantas, animais, terra, areia, pessoas de carne e osso, céu, estrelas, olho no olho – é muito fascinante e estamos desaprendendo a viver nele)
tudo isso não deve ser posto na conta do indivíduo, e sim pensado sob uma ótica estrutural. nosso poder de lutar contra esse sistema até existe, mas é limitado. e as instituições não estão sequer arranhando essa discussão.
(bom, mas esse assunto ainda pode ser melhor desenvolvido. voltando ao que está acontecendo aqui dentro...)
não estou compartilhando tudo isso aqui porque acho a minha vida especialmente interessante. gostaria de poder estar fazendo outra coisa, quer seja trabalhando em algo “normal” ou simplesmente desfrutando da minha vida idílica até que eu precise gerar dinheiro de novo.
a tessitura de textos a céu aberto é uma maneira de botar pra fora o que venho sentindo no céu da boca.
e não repare no tom excessivamente dramático: no fundo eu me permito rir da absurdez disso também.
o que será que vem por aí?
Não tenho muito a dizer, mas você não está sozinho. Mesmo!
Oi Alex, confesso que depois da maternidade coisas similares me perturbam. Me sinto quase como um ramster na sua rodinha... e não sei muito bem como sair dela! Obrigada por compartilhar o que sente! É muito bom te "ouvir"! Posso te garantir que você mudou a minha forma de pensar a aprendizagem e isto terá muito impacto nesse serzinho que eu trouxe ao mundo. :)