A gente tem uma tendência – que nos foi introjetada pela sociedade escolarizada – de pensar que aprender algo tem a ver com encontrar a resposta certa.
Sair do ponto A e ir até o ponto B, sendo que B é um ponto mais “correto” que A.
A premissa embutida aí é que, em algum momento, percorreremos tantos pontos a ponto de chegar nela… Na Verdade.
Na Perfeição.
Na Completude.
Percebe que todo nosso sistema educacional está estruturado com base nisso?
(Apenas um sintoma de algo mais trágico: a maneira colonizada e estreita que fomos acostumades funcionar como sociedade)
Pois bem: existe um outro jeito.
Existe uma maneira de pensar o aprender que não é uma linha reta do ponto A ao ponto B.
É mais como o desabrochar de uma flor – abre para todos os lados ao mesmo tempo.
Aprender, nesse sentido, é ter licença poética.
Tem gente que tem carteira de motorista: uma autorização para dirigir carros.
Eu tenho a licença poética do aprendizado: uma autorização para conduzir experimentos.
Tudo pode ser encarado como um experimento. Essa é a licença poética do aprender – um certo olhar para a vida.
Uma forma de continuamente se espantar, se maravilhar, se experimentar e brincar de possibilidade.
Eu adoro esta fala do Mia Couto, nela tá traduzido um pouco do que quero dizer com a licença poética da aprendizagem (não é à toa que ele é poeta):
Há outras coisas mais sutis, por exemplo, o modo como certo discurso tornou-se hegemônico e expulsa qualquer outra coisa, esta ideia de que a aproximação que nós temos que ter com as criaturas tem que ser sempre positivista, sempre racionalista, tem que expulsar aquilo que é o lado da espiritualidade em um sentido mais profundo, não só religioso. Por exemplo, o que nós fazemos cotidianamente com filhos, com netos, com os meninos e meninas que circulam entre nós? As crianças trazem uma espécie de tentação de encantamento, quando olham para uma nuvem, elas querem saber: como essa nuvem poderia ser uma história? Como essa nuvem poderia ser um ser encantado? E se lhes fizermos essas perguntas, elas vão dizer as coisas mais extraordinárias. Nós temos a tendência de corrigir e dizer: “não, a nuvem não é isso, a nuvem é vapor d’água etc.” Não tem graça nenhuma, é uma coisa estéril. É óbvio que também é preciso dizer isso, mas como é que nós permitimos que as crianças, que poderiam ser o lado mais forte do reencantamento do mundo, não fiquem formatadas?
A citação acima está no livro do meu doutorado informal, e vira e mexe eu me respiro nela.
Não nos esqueçamos disto: aprender não precisa ser linha reta; aprender pode ser desabrochar.
Obs.: aqui está o vídeo onde o Mia Couto traz essa fala.
✨ E você, tem alimentado sua licença poética de aprender?
Ou tá mais para linha reta?
Me conta como você tem sentido isso nos seus dias?
Se quiser, deixa um comentário!
Pois é... fomos todos formatados pela escola, família, sociedade... em parte porque achavam ser um tipo de educação que fazia sentido, de outra parte sempre foi um projeto hegemônico de submissão. Então como resgatar a poesia da infância que existia antes dela ser formatada? Eu não tenho resposta, mas... e se... juntarmos pessoas e começarmos mimetizar (imitar, simular...) o espanto aprendiz como o das crianças... pode ser um caminho legal para desfazer as formatações escolarizantes... de se apaixonar pela lógica de que ter vários caminhos para se mover é melhor do que ter somente um único. Será viável, será um bom caminho? Como saber? Bem... descobrimos caminhando, é sempre assim. Bora caminhar? [Em tempo: Vale a pena, como prática do espantar, ouvir "Se no meio do que você está fazendo você para" do Arnaldo Antunes... na gravação de Luiza Possi]