Dia desses no Uber, uma grandessíssima amiga, daquelas que você compartilha as minúcias da vida, respondeu de maneira xôxa quando eu contei sobre o céu do Pará.
Não era qualquer céu – eu estava num barco atravessando possivelmente mais de um rio e o céu ali se dividia em dois, um avermelhado do lado esquerdo e outro azulado do lado direito. Eu contemplava aquele momento com as pupilas brilhantes de uma criança, estupefato com o tamanho daquela beleza e daquele mistério.
"COMO ASSIM!?", o céu se colorir em dois exatamente em cima das margens desse FUCKING rio que eu tenho o PRIVILÉGIO de estar neste EXATO momento da minha vida! Puta merda! (é, vou ter que incorporar alguns palavrões nos meus textos a partir de agora, pois só a palavra às vezes não dá conta, precisamos de umas palavras de encher a boca de vez em quando)
Mesmo diante desse verdadeiro acontecimento da natureza que eu presenciei e quis contar, a reação da minha amiga foi xôxa – provavelmente por estar focada em outras coisas, ou cansada, ou ambos.
É louco como nos sentimos de peito preenchido ao compartilhar nosso entusiasmo com outres e sermos correspondidos(as).
Minha amiga faz isso o tempo todo comigo, só não fez nesse momento que eu quis compartilhar sobre o céu do Pará, e além disso eu também vivo essa experiência de entusiasmo espelhado com muitas outras pessoas, especialmente no Mol e em outras comunidades de aprendizagem das quais faço parte.
Nesses processos comunitários que vivo, descubro que não é apenas a escuta que nos nutre e nos impulsiona. Não são apenas as perguntas nem somente os apoios de cunho prático. É, sobretudo, o entusiasmo compartilhado que nos move corajosamente adiante.
Tenho algumas pessoas na minha vida que são verdadeiras mestras nisso – quase sempre em estado de prontidão para me presentear com entusiasmo quando peço ou preciso. É claro que às vezes elas falham, e isso não é problema. O ponto é como a gente se reveste de entusiasmo em rede, ou dito de outra forma, como que a gente fica bom em criar e habitar redes de entusiasmo.
Em algum nível eu concordo com o Yaacov Hecht quando ele diz que o "lago pessoal" é intransferível. Isso quer dizer que o céu perfeitamente cindido com as cores da floresta que vi é, de certo modo, uma experiência só minha, e ninguém nunca vai captá-la completamente.
Por outro lado, a gente pode ser caixa amplificadora para quem a gente ama, e a gente pode amar ofertando entusiasmo gratuito. A intenção é menos capturar cirurgicamente o que se passa com a pessoa e mais um ressoar poético e sonoro do que vibra naquele coração, naquele momento.
Enxergar e vocalizar a potência de alguém assim é um treino. Eu já fui bem pior, estou melhorando. É sobre apreciar, reconhecer, legitimar, validar, mas ao mesmo tempo é sobre algo muito além disso e que é difícil transmitir por texto. "Colocar lenha na fogueira de alguém" talvez consiga expressar um pouco do que é.
E se nós criássemos redes de pessoas especializadas em colocar lenha nas fogueiras umas das outras? E se, quando alguém falhasse nesse processo, houvesse mais gente disposta a te presentear com entusiasmo?
E se uma comunidade de aprendizagem fosse feita de entusiasmos compartilhados?
O que sempre me chamou atenção em você foram os chamados as reflexões autênticas. Já pensei muito no entusiasmo de forma individual, sou contagiada com facilidade por esse tal, adoro pegar um Uber mergulhada no meu celular e de repente o motorista joga um assunto pertinente, imediatamente abandono a janela digital e desenvolvo uma conversa acalorada e a viagem voa. Quando alguma amiga vai viajar, já sabem que adoro receber o diário de bordo, a experiência de uma entrevista de emprego por exemplo, quero saber detalhes sobre o ambiente, assuntos abordados, reações e expectativas. O MOL me deixou doida de entusiasmo e lá nasceram outras comunidades fantásticas. Mas o tempo para partilhar, engajar é muito pouco diante te tanto entusiasmo e isso é frustrante, e claro, se não dou, não recebo. Mas só de olhar o numero gigante de mensagens não lidas daquela comunidade, me dá uma felicidadezinha, ali têm um “lago”, é só chegar e mergulhar.
Amei!