Maturana fez uma proposição: não pode haver relações instrutivas.
Ele estava dizendo algo sobre o campo da cognição e dos sistemas vivos, algo sobre a sua Biologia do Conhecer.
Como os seres se orientam a partir de suas próprias correlações internas conectadas continuamente ao meio, este último não é capaz de determinar nada sobre nós.
Ainda assim, o sistema de ensino e a mentalidade educacional predominante são estruturalmente formuladas a partir de relações (que se pensam) instrutivas.
Esses dias uma amiga me chamou para dançar forró. Estávamos na sala da casa dela.
Arredamos as coisas de lugar e, poucos segundos depois de começarmos, logo ela já quis me “mostrar como é”, possivelmente se incomodando com a maneira que eu dançava.
(Talvez ela nem tenha se incomodado, mas queria dançar “do jeito certo”, sabe?)
Numa reunião, uma pessoa mais velha do que eu e que admiro muito compartilhou uma situação desafiadora que estava vivendo na carreira.
Depois que ela terminou de falar, pedi a palavra e tentei acolhê-la oferecendo uma escuta, além de contar que eu também experienciava algo parecido na minha vida profissional.
DUNEIDA ela me volta com conselhos de tom moralista, iniciando com a bela frase: “Alex, não é querendo trazer a coisa da idade, não, mas pensando que eu tenho quase 50 anos e você 32, eu acho que você deveria...”
Não tenho necessariamente um problema com alguém me ensinando passos de forró ou oferecendo conselhos meio “méh”. Acontece.
A questão é que muito frequentemente nas interações sociais, especialmente nos contextos “pedagógicos”, uma relação enverga para o lado instrutivo sem quase nos darmos conta disso.
É o padrão.
Queremos que a outra pessoa faça do nosso jeito e acreditamos na possibilidade da “transmissão” do conhecimento, nos esquecendo que o conhecimento simplesmente não funciona assim.
Além disso, muitas vezes não estamos buscando ser ensinades, só queremos conversar, nos divertir, viver e aprender a partir daquilo que brota no nosso próprio olhar – o que não é pouco.
Da próxima vez que for interagir com alguém, tente não cair numa relação instrutiva. Desacredite nisso, desconvença-se do seu poder. E também perceba quando estão tentando fazer isso contigo.
Um aprendizado mútuo não instrutivo move montanhas.
Obs.: é possível ensinar sem cair numa relação instrutiva? Entendo que sim, embora eu prefira não usar muito o termo “ensinar” justamente para evitar confusão. Ainda assim, alguns critérios são importantes para que isso seja possível. Num futuro post quero tratar disso.
Reflexões maravilhosas!
Espero um aprofundamento em futuros posts.
Maravilhosa reflexão meu querido. E importante. Obg por compartilhar.
Sem um pedido da própria pessoa que irá receber, me parece uma imposição tirana de valores e lente de vida.
Para mim, é um esforço diário minimizar os tropeços nesses padrões 'instrutivos'. E quando caio, continuar tentando reconhecer o quanto antes e levantar rapidamente dessa situação.
E ampliando uma rede de apoio com as pessoas do cotidiano, para nos avisar quando isso acontece. Um convite aberto para nos ajudar na reabilitação para longe desse padrão. E fica aqui um convite para você, para quando perceber isso em mim, também me sinalizar.
A reflexão me lembrou de uma menção feita ao próprio Maturana no livro Dialogue de David Bohm: “Quando um ser humano diz a outro ser humano o que é ‘real’, o que ele na verdade está fazendo é exigindo obediência. Ele está afirmando ter uma visão privilegiada da realidade.”
E também de um papo que o William R. Miller (psicólogo clínico) teve em um vídeo*:
"...como seres humanos, quando você é aconselhado a fazer algo, a reação normal é não fazê-lo, mesmo se concordar com o conselho. […] dar conselhos não é uma coisa particularmente útil para fazer, a menos que a pessoa peça ou esteja lhe dando permissão.
[…] conselho não solicitado é bastante inútil […] muitas vezes tem efeito contrário ao desejado"
*fonte: https://www.youtube.com/watch?time_continue=1576