Um brinde a tudo que já desisti 🥂

A supervalorização da persistência e como as desistências nos compõem

Pois é, a gente desiste, né?

E isso pode ser uma das coisas mais valiosas do mundo.

Eu me lembro de quando desisti de fazer capoeira na escola. Na cerimônia de troca de corda, muitos dos meus amigos e amigas estavam lá, recebendo um objeto simbólico de reconhecimento pelo seu não desistir. Um objeto que literalmente rodeava seus corpos por onde andavam e os diferenciava a partir do seu grau de persistência.

Eu assisti à cerimônia da arquibancada do ginásio. Chorei baldes. Queria estar lá, recebendo meu troféu, me sentindo orgulhoso e pertencente. Contudo, por escolha própria – o que fez a coisa doer ainda mais –, sentia exclusão e vergonha.

Passou, lidei, processei. Depois, percebi que aquela desistência tinha um propósito na minha vida. Ela me abriu para outras atividades e possibilidades. Me liberou tempo e energia para investir em outros projetos do meu eu criança – vários deles, inclusive, envolviam escrever. Além disso, o ato de coragem em “bancar o desistir” me constituiu como ser humano.

Eu nunca mais esqueci como é: excruciante na hora, emancipatório depois.

Não me entenda mal: a persistência é uma coisa absolutamente linda também. Através dela conseguimos tecer colchas lisas em vez das colchas de retalhos das desistências.

Ambas são belas e significativas. Ambas podem contar uma história.

A grande questão é que culturalmente nós nos acostumamos a estimular e valorizar apenas a persistência. Mesmo quando, no fundo, o casamento já venceu, o trabalho não faz sentido mais, a incoerência bate na porta e a exaustão invade todos os nossos poros.

A persistência sozinha, sem a sua amiga desistência, é cega e incompleta.

Persistência e desistência precisam ser como areia e mar, dia e noite, convívio e solitude, yin e yang. Nada menos que isso nos salvará da ditadura da determinação.

Depois da capoeira, eu ainda desisti de muitas outras coisas:

• Da natação, do futsal e do handebol

• De amigues que não me nutriam mais

• De um trabalho no governo que pagava bem e tinha estabilidade

• De um mestrado

• De relacionamentos amorosos – e da fôrma convencional de se relacionar

• De formar uma “família tradicional”

• De me apegar a certas expectativas sobre o futuro

• De salvar o mundo

• De ter um “shape” padrão

• De ter residência fixa

Precisamos neutralizar o mau odor da desistência e transformá-lo em um suave perfume de jasmim, assim como devemos parar de imaginar a persistência sempre como a fruta mais saborosa do pé.

Todos os momentos em que eu já desisti me ajudaram a chegar até aqui e me compõem.

Por isso, um brinde a eles 🥂

Do que você está precisando desistir hoje?

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Obs.: eu e Luis desistimos de lançar semanalmente os episódios do transborda cast. A partir de agora, será quinzenal, e o próximo está marcado para terça, dia 31 de outubro, às 18h 🙃