Fila de novas aprendizagens possíveis: como ela te devolve a humanidade
Um antídoto para a hipnose algorítmica
Há quase um ano, venho experimentando uma nova seção que criei no meu segundo cérebro chamada “Fila”. Já expliquei sobre o conceito aqui: em resumo, a Fila é uma lista com todas as coisas que você ainda gostaria de aprender/se aprofundar/investigar – assim como a fila de músicas do Spotify é uma lista com todas as faixas que você ainda deseja ouvir. Na Fila que vou cultivando no meu segundo cérebro, o ouro são as novas aprendizagens possíveis que recebo de pessoas amigas e conhecidas: se você é rodeado por quem aprecia a brincadeira que é descobrir o mundo, então provavelmente você também recebe essas recomendações/indicações com frequência, pois quem gosta de descobrir geralmente gosta de partilhar. É sobre esses transbordamentos reais das nossas microrredes humanas – em oposição à frieza opressora das recomendações dos algoritmos – que quero falar aqui.

Nós trocamos possibilidades de aprendizagem o tempo todo desde que o mundo é mundo. Aprender é botar água nos nossos copos-perguntas: em algum momento esses copos transbordam e outras gentes se hidratam junto com a gente. É um processo bonito dar e receber indicações do que pode contribuir para a expansão dos mundos nossos e de outras pessoas. A Fila, que se assemelha a um caderninho-mapa de tesouros futuros, serve para organizar essas permutas na perspectiva da gestão do conhecimento “pessoal” (na verdade, penso que todo conhecimento é rizomático, por isso as aspas).
No entanto, a cultura digital vem alterando profundamente nossos modos de descobrir coisas novas. Os algoritmos nos viciam em novidades cada vez mais açucaradas e gordurosas e surrupiam o tecido social das partilhas de conhecimento espontâneas. Se alguém te conta sobre um filme incrível que assistiu e que acha que você vai gostar, você nem dá bola porque sabe que é só abrir o celular para receber infinitas opções de conteúdos, via de regra superficiais, apenas com o deslizar dos dedos.
Existem três problemas nisso:
Perdem-se oportunidades valiosas de aprendizado com quem te recomendou ou para quem você recomendou algo – não é só sobre assistir ao filme, e sim assistir + confabular a partir do que vocês, no plural, assistiram.
O aprisionamento nas “câmaras de eco” dos algoritmos, que só nos indicam aquilo que se parece com o que já gostamos, aquilo que nos gera gatilhos emocionais intensos e/ou aquilo que está sendo empurrado goela abaixo por meio da compra do que nunca deveria ser vendido: sua atenção.
Mais passos rumo ao abismo individualizante da desconexão – angústia profunda com telas-espelhos por todos os lados, sempre munidas com o auge dos seus dados para colocar os anúncios certeiros na sua próxima rolagem infinita.
Isso sem falar na hipótese – plausível – de que as opções do cardápio algorítmico serão cada vez mais produzidas pelas inteligências artificiais (sem que nos contem isso). Se queremos viver num mundo mais humano do que artificial, precisamos resgatar a capacidade de partilhar CEP+Rs – Conteúdos, Experiências, Pessoas e Redes – de uma maneira também humana. E o humano ainda é social. A internet está morrendo: o lugar que antes amplificava trocas sociais e intelectuais agora as sufoca. É possível escapulir? É possível não ser mais refém dos algoritmos? Só até certo ponto, e vai depender do quanto conseguirmos enriquecer mutuamente nossas Filas através do “olha, isso é muito legal, vale a pena investir seu precioso tempo aqui”.
E, falando em tempo, é gostosa demais a sensação de desfrutá-lo para se dedicar às coisas que você foi garimpando coletivamente na sua Fila. Muito melhor do que seguir na hipnose algorítmica das mídias sociais. Tente ir substituindo uma coisa pela outra. O que ocorre nesse processo não é um uso necessariamente mais “produtivo” do tempo – embora isso acabe resvalando positivamente na sua produtividade –, e sim um uso mais proveitoso do tempo.
“Proveitoso” tem a ver com aproveitar, “produtivo” tem a ver com... capitalismo.
Obs. 1: ontem conduzi o encontro "Pot-pourri de referências sobre aprendizagem autodirigida” e foi lindo! Veja a gravação neste link.
Obs. 2: com alguma frequência acabo gostando também das indicações dos algoritmos, então não é sobre demonizá-los, e sim aprender a pensá-los criticamente (mas não, eu não penso que eles são bonzinhos).
Obs. 3: elaboro de maneira mais profunda as questões das tecnologias digitais, incluindo inteligência artificial e afins, aqui.
Primeiro quero registar que adorei isso:
“Proveitoso” tem a ver com aproveitar, “produtivo” tem a ver com... capitalismo”
Eu ri! Kkkkkk
Segundo: percebi que tenho essa “Fila”, mas não fazia ideia de como era “contra a maré” dos algoritmos!
Fiquei feliz e curiosa para saber o que está na Fila das outras pessoas! O que indicam e o que estão aprendendo ultimamente!
Alex, esse texto me trouxe um respiro muito importante. Tenho refletido tanto tanto sobre essa revolução tecnológica - o preço tá tão alto, sabe? Me sinto presa, viciada, e pagando com bens preciosos demais: a minha noção própria de identidade, a forma como minha cabeça funciona, a minha memória e raciocínio, a forma como as relações se dão, o tempo, a saúde!
As redes fazem uma promessa bastante mentirosa de mais e mais conexão.
Morei muito na internet na época em que fiz intercâmbio. Buscando nas telas conexão com os meus, deixei em algumas oportunidades de me conectar com quem estava ao meu redor - sentia mais e mais a solidão.
Não é diferente com o trabalho. A promessa de mais e mais informação me tira a conexão real de qualquer coisa, e quanto mais atendo ao mercado com multitarefas, mais incompetente me sinto.
Voltando à memória, não lembro quem disse que tem que amar pra aprender, nem quem disse que amar e atenção são quase a mesma coisa. Mas fazendo uma conta rápida, a internet tá me tirando o nutriente vital do amor , e assim, do aprendizado.
Já notei que sou mais feliz quando tô fora das telas e consumo pedaços de vida e arte como ver aquele filme ou cozinhar aquela coisa que queria há muito tempo. Vou buscar estar mais atenta à riqueza da minha rede pra me nutrir de vida.
Falando em tempo proveitoso, vamo se juntar viver arte?
Obs: brigada por nos engajar a responder, não tinha percebido esse espaço como uma possível redoma, e além disso, escrever sobre me deu direito ao tempo e conexão mais profundos com esse tema - me emocionei por aqui.